segunda-feira, 20 de abril de 2015

UMA DRAMATURGIA POLISSÍLABA,

ECOS DE ATORES-DRAMATURGOS
                                                                           foto Rogério Alves
A primeira orientação para mim mesmo: não replicar Plínio Marcos. Ele funcionaria como uma espécie de alter ego, uma inspiração, nenhum compromisso com o real cromatismo proposto por sua dramaturgia. A criação de novos códigos, senão novos, ao menos, códigos que refletissem o universo do grupo. O espetáculo de algum modo deveria estar pautado nas inspirações e no trabalho dos atores e técnicos mergulhados nesta experiência. A segunda orientação fora para expurgar qualquer certeza, jogar fora qualquer verdade absoluta, nenhuma certeza. Terceira diretriz, pensar o lugar do público, como lidar com ele. Este mais que um desafio, uma inquieta busca de alternativas. A quarta pontuação estava voltada para o tema central, nada de afirmações do tipo, “marginal”, nem vítima, nem vilão. Cada um tem sua prisão, cada um tem sua visão sobre a prisão, cada um tem um “olhar sobre”, uma visão de fora. O olhar do outro sobre o preso. Outra meta, não deveria existir personagens, somente ação. Mas ação de quem? Dos presos comuns, outra vez a afirmação-negação: na nossa cabeça todos estão mortos, empalhados, porque a perda de poder é igual a perda de forças. Aliás, medição de força é uma questão dramatúrgica.

A escrita dramatúrgica necessita dizer, de algum modo, o que une, na solidão de cada um. Apontar para um jogo que mostre uma cadeia de relações. O espetáculo necessita parecer que é uma história não escrita, com muitas imprevisibilidades, do contrário estará esgotado em seu nascedouro. Este é um espetáculo de muitas vozes, uma palheta de cores em decomposição, “pequenas peças dentro de uma peça”. Quando afirmamos que o espectador pode sair temporariamente, dormir, voltar, é porque a dramaturgia apresenta um recorte com muitas individualidades. São curtas cenas que juntas constituem uma grande cena, múltipla e prenhe de antagonismos, mas você pode perder pedaços que não sofrerá disfunções comunicativas.

                                                                         foto Rogério Alves
Os atores-dramaturgos-narradores são responsáveis por cada cena articulada, partindo do corpo e do tema construíram textos cênicos, partituras de ação. Foram tocados pelo furor de Plínio Marcos e construíram a dramaturgia os artistas Beto Nery, Breno Fittipaldi, Bruno Britto, Edinaldo Ribeiro, Eddie Monteiro, Emanuel David D’Lúcard, Geraldo Cosmo, José Manoel Sobrinho, Marcílio Moraes, Neemias Dinarte, Normando Roberto Santos, Robson Queiróz, Samuel Bennaton e Will Cruz. Há, ainda, fragmentos de Plínio Marcos e autores anônimos, pois transcrevemos uma conversa ao telefone entre dois presidiários no jogo malicioso da venda de produtos falsos, um golpe atual e contumaz. O exercício de dramaturgia transformou-se em uma experiência na zona do risco. Um grande risco porque a maioria dos atores-autores são remanescentes de uma tradição teatral, inclusive o encenador. Qual o lugar do espectador é o principal desafio e estamos longe de obter respostas. Há muitas controversas.

A Temporada de Processo, segunda etapa do jogo, nos fez perceber a nossa vulnerabilidade e somente tem acentuado as nossas dúvidas e incertezas. Nenhum caminho nos parece definitivo. O lugar do espectador parece ser o imponderável, ainda muito manipulado. Nosso espetáculo ainda manipula o que assiste e essa relação de dominação em princípio não é de nosso interesse. Falta-nos convicção, crença, técnica e tranquilidade para abrir mão das formas e ensejar a instabilidade que tanto buscamos. O espetáculo é incompleto, inconcluso, cheio de vulnerabilidades. Literalmente, muitas micro cenas ainda não foram inseridas, assim como várias músicas. Mas que fique claro, isto é do processo. Faz parte de uma estratégia. Remete ao sentido de treino. Não é um ato negligente.

                                                                         foto Rogério Alves
É sempre muito tenso montar um espetáculo e uma das metas era aprender a conjugar outro verbo, processar. E em segundo tempo, tolerar. Uma jornada de quase um ano, mas somente na semana de estreia estava todo o elenco presente. Os treinos foram realizados por blocos, em pedaços, por cenas, para depois reunir o coro de homens em frenética algazarra. Um séquito masculino com véus e tudo. Energia masculina ao extremo, no entanto malhada de alma feminina. Paradoxos. Um controle de frequência demonstrava os riscos do empreendimento, uma zona de areia movediça por onde a experiência transitava. Mas isso é assunto para outra reflexão.

José Manoel Sobrinho 
      – Coordenador da Dramaturgia. 2014/2015.

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