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"Não sei como é em outros lugares, mas aqui na terra há vários tipos de silvos" foto: Rogério Alves |
As Motivações para a proposta
Sem muita
regularidade tenho dirigido espetáculos em Recife, os últimos sempre com o
aporte do Funcultura, Fundo Estadual de Cultura, do Governo de Pernambuco,
Secretaria Estadual de Cultura, Fundarpe, o que tem sido vital para podermos
criar os espetáculos e manter curta temporada, de no máximo 12 apresentações.
Cumpridas as etapas de criação e de breve temporada tem sido comum entrarem os
espetáculos em uma sombria zona de apatia e de degredo, porque as oportunidades
são poucas e com o tempo rareiam levando todo o esforço coletivo para o
esquecimento. O Funcultura, assim, torna-se com exceções, evidentemente, o
aporte para que se faça um espetáculo e por aí para. Os Produtores não
conseguem sair desta armadilha, ficam reféns de uns poucos projetos ou
festivais, quando muito uma viagem aqui, outra acolá. E instaura-se uma crise
porque não há sobrevida para o espetáculo e encenadores, artistas e técnicos
vem-se, rotineiramente diante de um morto-vivo, o resultado de meses de
trabalho fica congelando, definhando, amarelando. Não rara é a frustração, como
também o surgimento de litígios entre artistas e produtores. Aqueles, na
maioria das vezes rotulam estes de inoperantes, ineficientes e sem proposição
para a manutenção do espetáculo. Alguns produtores mais ousados rompem esta
lógica, mas são poucos. Esta realidade me perseguiu em quatro das seis
montagens que dirigi nos últimos tempos. Duas sobreviveram um pouco mais porque
havia o suporte de um grupo, dando alguma sustentabilidade, mas mesmo assim sem
muita consistência.
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"O carrasco não tem pressa, ele é paciente"
foto: Rogério Alves |
Os debates e
os embates levam a diversas questões, algumas pedagógicas, mas a maioria são
polêmicas, afinal por que e para que se faz teatro hoje em Pernambuco? E para
quem? Existe fidelização de público? Há mercado? Há a profissão de ator e
encenador quando não existem as garantias mínimas de trabalho continuado? É
correto depender unicamente dos recursos do Funcultura? E a iniciativa privada
tem papel ativo no conjunto das práticas teatrais, atualmente? São questões que
permanecem sem respostas dos coletivos. As políticas públicas de cultura são
eficazes o suficiente para suprir as demandas das categorias? É de fato verdade
que os artistas tem um espírito assistencialista, que gostam de ficar reféns do
estado, que não criam alternativas para autonomia e independência? Quais as
motivações para se fazer teatro, hoje? E o capital social inerente à arte tem
sido reconhecido pelas estruturas da sociedade? E a questão da
representatividade política dos artistas e técnicos que papel tem ocupado nesta
cadeia? Muitas perguntas, poucas respostas práticas.
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"Eu não sou teu, não te mereço, você não me merece,
esse imundo cubiculo nao cabe essa historia"
foto: Rogério Alvez |
A saída para
muitos tem sido criar projetos de resistência, a exemplo do Coletivo de Teatro
Domiciliar criado por algumas companhias e que vem realizando encenações dentro
de residências ou as iniciativas de grupos e companhias que constituem suas
sedes e as transformam em espaços para apresentações ao público, a exemplo da
Fiandeiros e de O Poste, dentre outros. Não tem sido fácil ser encenador ou ator
em uma cidade como o Recife com poucas opções de trabalho e raras
possibilidades para uma experimentação mais apurada, para um projeto mais
ideológico ou mesmo para o desenvolvimento de estratégias de encenação ou
atuação. Também não há casas de espetáculos suficientes e as que existem estão
fragilizadas em estrutura e política de ocupação.
Para não ficar
refém dessas armadilhas ou para tentar suplantar este estado de coisas resolvi
tomar uma atitude um pouco radical, montar um espetáculo para poucos espectadores,
com muitos atores e técnicos e nenhum real. E me dispus a pesquisar
alternativas, inclusive em relação ao tipo de espetáculo, seu enfoque e
abordagem.
As
Primeiras
providências
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"Uma vez por semana, os vinte e cinco homens tinham direitos a receber visita de parentes"
foto: Rogério Alves |
Concomitante a
pesquisa referente ao que seria a experiência listei 50 atores e comecei a
etapa de diálogos sobre as minhas inquietações e o desejo de montar um
espetáculo sem produtor, autônomo, sem data para estrear e sem recursos
financeiros. Chamei esta etapa de conversas de Proposta Indecorosa, fazer arte
sem perspectiva alguma de sobrevivência material. Uma grande contradição de
minha parte, mas sabia que somente quem tivesse condições toparia fazer. Já
conhecia a obra de
Plínio Marcos,
havia dirigido nos anos 80 o seu texto
Jesus
Homem e relendo alguns textos reencontrei o livro
Inútil Canto e Inútil Pranto pelos anjos Caídos, e neste o conto
Em Osasco que narra sobre 25 homens
presos em uma cela onde só caberia 8 homens. Pronto. Tinha um mote, uma
metáfora, marginais sem lugar, sem individualidades, sem representação, sem
política, sem possibilidade de expressão. Estava definido o mote. Durante anos
trabalhei com artes no sistema penitenciário de Pernambuco quando estive
atuando junto a Federação do Teatro de Pernambuco, Feteape com os Projetos
Coringa e Alvará de Expressão, estava diante de um universo que conheço
razoavelmente, foram mais de 10 anos lidando com esta realidade. Parti então
para a consolidação do elenco, de alguns técnicos e de compositores, porque
também houve a decisão de contar com uma trilha sonora original composta para a
encenação. No dia 04 de maio de 2014 aconteceu o primeiro encontro do elenco. Alguns
não conseguiram manter-se no processo, surgiram outras possibilidades de
trabalho, outros porque não tinham condições ou vontade de assumir tal
compromisso. E começaram os trabalhos práticos que estenderam-se por 11 meses e
21 dias.
A Primeira estreia: Temporada de Processo –
Notações.
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"Criminosos... Somos todos criminosos!
foto: Rogério Alves |
Entendam
Temporada de Processo como se
ndo uma etapa, um lugar inacabado, um estágio das vivências,
um espetáculo em fase de experimentação, um jogo de convivências, uma equação
de desejos, caminhos para a cena, um quebra-cabeças, um mosaico, uma colcha de
retalhos, um jogo onde todos estão presos, uma história não escrita
regularmente, estilhaços. O todo e a solidão década um, uma cadeia de relações.
Confissões. A palavra pendurada, instável, sensação de dor e odor. Na nossa
cabeça todos estão mortos. Estão? Sol e não-sol, sal e não-sal. O corpo mídia,
o corpo suporte dos sentidos. Perder-se em palavras. Negação e nojo da palavra.
O que une e separa. A espera. O tempo. Um Sistema, o sistema. Jogo de
aproximação e de enfrentamento. Querer e
repulsar. Animais em disputa, em mina de amor. Os desejos. Não há nenhuma
certeza. Cada um tem sua prisão. O olhar dos outros sobre os presos. Somos a
última coisa depois do nada. Uma visão de força. Cada um tem sua prisão. Cada
um, cada um. Anunciação. Homens comuns. Intermitentes. As pragas da pele e da
mente. Ensaios sobre o amor, sobre a dor, sobre a força. Um mercado aberto em
nome de Deus. De Deuses. Inútil espera para um nuevo tango. Reduto de patriotas
fugados, códigos de amantes tatuados. O peso do tempo na zona autônoma
temporária do anjo incestuoso. A cela. Nossa Senhora Maria dos Anjos perdida. O
poder da força. Um lugar sem donos, com líderes falidos, artimanhas parasse
manter, um território ébrio porque o que importa é apenas estar, sob qualquer
condição. Viva o todo poderoso homem.
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"E o dinheiro subornava! Estão sentindo, estão?"
foto: Rogério Alves |
Temporada de Processo cansa, é
desconfortável, demora, precisa de paciência.
Neste processo o espectador pode sair,
tomar água, ir ao banheiro do camarim, sentar no chão, deitar-se onde quiser,
dormir, mudar de lugar, atender o telefone, fotografar, falar ao zap, falar com
os atores, alongar-se, entrar em cena, cantar junto, dizer poemas, não fazer
nada, gritar.
Neste processo todos estão trabalhando de graça,
não porque não precisem, mas porque a cada dia está mais difícil sobreviver da
arte do Teatro em Pernambuco, terra de muitos e de poucos.
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"Escapar, escapar... Implorem, implorem... pela liberdade!"
foto: Rogério Alves |
José Manoel
Sobrinho
– Provocador do Processo.